Terminei o almoço, atravessei a rua e corri na loja em frente comprar um espelho de aumento, carrego em viagens e vou espalhando pelos hotéis. Pego o táxi. Já no aeroporto, voo atrasado e vou tentando colocar a leitura em dia, que nada, só pensava no que havia acabado de comer.
Sempre que acabo uma refeição como a qual me refiro sei que poderia morrer. Além dos fundamentais espelhos lembro sempre que a morte é uma certeza. Sei também que técnica e delicadeza dos pratos desfilados com precisão não serão facilmente esquecidos, quero logo escrever sobre a experiência e não consigo.
Detalhes
Mesmo com a sala de decoração sóbria do pequeno espaço do restaurante Picchi, em São Paulo, em dado momento eu estava nos campos do País Basco. Os sabores me alertavam. Não sem surpresa vim saber depois que Pier Paolo Picchi trabalhou um ano no Mugaritz com o chef Andoni Luís Aduriz. Entendi.
Harmonização sincronizada pelo sommelier Ernesto Arahata deram acordes perfeitos elevando o resultado da refeição. Conto mais.
O almoço
Começamos. Uma esfera de caipirinha não emociona quem já conhece, claro, mesmo que preparada com técnica perfeita. Já a ostra com caju na calda de cachaça suave, também não sendo novidade, provoca e dá indícios do que virá.
E é o que vem em seguida que arrebata. Um denso sorvete cremoso de amêndoas com um caldo de mini alcaparras (foto) explode um sabor surpreendente.
Por que demorei para encaram o menu degustação do chef? Porque seus clássicos são de fato muito bons e porque estou tendo preguiça de refeições demoradas que muitas vezes não valem os minutos, nem o investimento. Tenho fome da simplicidade, ultimamente.
Pois fui surpreendida. Veja só. A manjuba marinada não tinha disfarces. O tomate chocolate foi instigante. Beterraba, frutas vermelhas e queijo de cabra, um prato em construção que dará o que falar, imagino, tem futuro e é fotogênico. Nori, burrata e botarga é uma combinação feita para agradar e consegue. Confira as fotos.
O menu é equilibrado porque ao lado do presunto de peixe curado por dois anos, por exemplo, tem o tradicional spaghetti mesmo que na combinação entre vôngole, pancetta e ouriço. Untuoso, é capaz de provocar saliva apenas com a lembrança.
Estávamos indo muito bem quando o último prato entrou e fez jus ao papel de gran finale: o timo com legumes apagou qualquer resquício de dúvida, foi um banquete. O timo foi um dos melhores que já comi.
O chef Pier Paolo Picchi nasceu no Brasil mas com sangue italiano na veia. Entrou meio por acaso na profissão, empurrado pelas notas baixas na escola o jovem foi trabalhar no primeiro restaurante do Alex Atala. Dali direto para a Itália seguindo o conselho do chef. A prática foi a sua formação.
Passado nove anos, volta ao Brasil, fica um tempo no restaurante Emiliano e depois abre uma trattoria. Tendo que entregar o imóvel surge outra proposta. É assim que já está há mais de três anos ancorado na celebrada Oscar Freire, anexo ao hotel Regent Park, ostentando uma estrela Michelin – a realização de um sonho.
Trabalhou nas melhores casas na Itália, ganhou concurso e depois foi para a Espanha vendo a revolução na gastronomia que acontecia por lá. Quase não sai da cozinha, procura trabalhar com orgânicos sempre que possível, bons produtos, claro, e em oferecer opções para os clientes voltarem mais vezes. Dá certo. Tem clientela fixa.
Quer conhecer mais o trabalho do chef? Duas chances próximas. Ele participa do congresso Mesa Tendências, da revista Prazeres da Mesa, que acontece no próximo fim de semana (de 9 a 11 de novembro) e recebe para um jantar especial o chef Josean Alija, do restaurante Nerua, em Bilbao, nos dias 8 e 9 de novembro. Oportunidade única.