Se me for dada a opção de outra vida e de escolher uma nova profissão tiro do bolso o pedido pronto: viajar o mundo divulgando vinhos produzidos pela família. Decidi isso depois de ver em ação o neto de um grande produtor de champanhe responsável pelo marketing da empresa familiar. Achei o máximo. Essa lembrança impossível imediatamente voltou quando encontrei a Naiana Argenta, por sorte ela corrigiu em tempo a sua rota e abraçou o sonho do pai de ter a uva como protagonista na produção de vinhos. Passou a divulgá-los. Decidi conhecê-la. Foi assim que dia desses corri para o NH Curitiba The Five. O hotel acolheu a proposta da sommelière do restaurante Manu, Juli Rodrigues, à frente de uma série de degustações, nas quais apresenta projetos de produtores de vinhos especiais. E chamo especiais porque feito com muito cuidado, pequenos lotes orgânicos ou biodinâmicos. E eu estava mesmo devendo uma visita para a Juli. Aproveitei a oportunidade.
Sócia
Formada em Comércio Exterior e Marketing, Naiana, depois de um período estudando fora, andava com a missão de divulgar queijos e manteigas de uma grande empresa, nem tomava vinho. Foi um anjo, imagino, que soprou no ouvido dela que deveria fazer um curso de sommelier. Nasceu a paixão, nem olhou pra trás. Abraçou o destino. Hoje, é sócia e cuida da parte comercial e do marketing dos negócios da família. Vê-la falar dos vinhos da Valparaíso, olhos brilhando, foi um presente. Ela tem uma joia nas mãos, agora sabe.
A história da vinícola começa quando o engenheiro agrônomo Arnaldo Antônio Argenta comprou em 2006 a terra onde funcionava a Granja Valparaíso, no município de Barão, no Rio Grande do Sul. Sem querer dava continuidade a paixão pelas uvas e vinhos dos antepassados italianos, fabricantes da bebida apenas para consumo próprio. A pequena revolução dele começou com estudos, numa estrutura da década de 1930, que estava abandonada. Modernizada, a vinícola conta com um sistema de produção protegido, no qual as uvas ganham uma cobertura de filmes plásticos para inibir o excesso de umidade da Serra Gaúcha. Outro sistema adotado, o de irrigação, é o israelense que funciona por gotejamento, entre as vantagens está permitir que a uva atinja o ponto de maturação adequado, com muito açúcar natural, reduzindo o uso de insumos fitossanitários, a química que evitam o máximo possível. Ele começou a produção de 2014 só ganhou a companhia da filha em 2020. Tudo ao seu tempo.
A uva é a protagonista
Talvez não estejamos acostumados a sentir gosto de uva no vinho. Acho que é questão de aprender. Alguns rótulos são melhores do que outros, tudo depende da comida e da ocasião. Aprendo com a Gabi Monteleone no seu “Conversas acerca do vinho”, assunto de uma próxima coluna. Monteleone propõe “uma reflexão sobre o que realmente importa, sobre as muitas possibilidades e sobre a forma como produzimos e consumimos algo que é um alimento”. Cada vez mais penso sobre isso, se cuido do que como, devo cuidar do que bebo.
Dentre as mais de 45 variedades de uvas da propriedade destacam-se nove vitis viníferas, uvas cultivadas para a produção de vinho finos e espumantes: Nebbiolo; Pinot Noir; Sangiovese; Pinot Grigio; Rondinella; Garganega; Torrontés; Moscato Alexandria; e Chardonnay. A produção da vinícola de vinhos varietais – com uma única variedade de uva – tem baixa dose de sulfito, como os vinhos franceses, dando a possibilidade de identificar as uvas. São 10 rótulos, entre eles, o pinot gridio é o mais vendido. Provei alguns.
Torrontés é fácil de beber, vai bem com queijo mole, experimentei. Comida indiana e saladas também serão boas companhias para esse vinho de aroma floral. O Pinot Grigio é uma beleza, feito com uvas brancas maceradas com a casca tem um tom rose tímido, aroma de tangerina e quer frutos do mar ao seu lado. Com a Sandiovese temos um tinto leve, bem fresco, dá para tomar até na praia sem acompanhamento. Tem aroma de frutas vermelhas e é versátil. Naiana me diz que vai bem com sushi, é verdade, e pizza, pratos difíceis de harmonizar. Nebbiolo foi o meu preferido, tem tanino marcante, também é versátil, vai com carnes vermelhas, risotos e até queijos. O Moscatel foi o mais diferente, não tão doce e com boa perlage.
Qualidade
A produção da Valparaíso é pequena, 30 mil garrafas, mesmo assim estão entre os maiores produtores de vinhos naturais e biodinâmicos do Brasil, com um manejo meticuloso, sem nada de pesticidas, sem cobre, nem enxofre. Argenta usa leveduras especiais encontradas no vinhedo. Para os vinhos da Valparaíso apenas uvas da propriedade de 60 hectares, eles não compram de ninguém, o que garante a qualidade. Para Lis Cereja, da Enoteca Saint VinSaint, existe uma lacuna conceitual importante no movimento brasileiro: a maior parte dos vinhos vinificados de maneira natural no país não provém de agricultura própria ou de uvas orgânicas, e boa parte de quem faz vinho hoje em dia não é agricultor. Mais um motivo para aplaudir o trabalho da Valparaiso que investe no cultivo orgânico ou biodinâmico.
Na vinícola dos Argenta’s a colheita é das uvas perfeitas, sadias e manual. “A maturação plena é nutritiva”, aprendo com Naiana. Como fertilizantes plantam aveia, trevo, nabo forrageiro e deixam espaço na cobertura para receber a luz do sol. “A nossa diferença é que temos lotes exclusivos, usamos leveduras selvagens, sem filtração, nem fazemos correções enológicas e sem estágio em barricas. Temos uma cantina pequena para receber visitantes, mas nada de luxo, o luxo está no vinhedo”, conta. Assim podem ter um vinho saudável, vegano, nutritivo, de complexidade aromática que mostra o terroir local.
Deixo vocês agora com a vontade de provar os vinhos naturais da Valparaíso, na Serra Gaúcha, e imagino também que despertei o desejo de visitá-los, tenho certeza de que serão bem recebidos. Quem vai lá conhecer “essa história de amor” se emociona, tenho depoimentos.
Valparaíso – Vinhos e Vinhedos
Estrada Valparaíso, 47
Barão – Serra gaúcha – Rio Grande do Sul
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