“Eu voltei da Bahia”, feliz. E feliz fiquei provando o menu degustação do Origem. Me apropriei do título “Eu vim da Bahia” escolhido pelos chefs Fabrício Lemos e Lisiane Arouca para o menu do restaurante e tenho certeza: a trilha sonora com clássicos da música baiana – disponível online – deixou tudo ainda melhor. Foi difícil ficar parada na cadeira escutando os baianos e baianas cantarem, faz mais sentido escutar as músicas deles na terra deles e provar um menu que arriscou ir além do dendê. Tentei me controlar. A Bahia tem esse dom de seduzir, talvez porque seja a essência do Brasil. “Uma Roma negra”, como me disse Samuel Wagner, o sommelier do Origem, que conversou comigo nos breves intervalos entre os pratos. O tempo de espera é perfeito. Sempre perguntavam se poderiam dar sequência e a comida vinha rápido, como estava sozinha apreciei a agilidade.

O restaurante do casal é famoso e premiado e me entreguei ao passeio pelos cinco biomas do Estado com fome. Infelizmente, os chefs não estavam, um imprevisto adiaria o retorno deles de uma viagem, a equipe deu conta, só achei loucura a ideia de mudar o menu todos os meses, como me falaram, e pensei como seriam os nomes e os pratos.

Menu

Quatro delicadas texturas de milho chegaram à mesa e o jantar começou. Acompanhou uma cerveja sour ale com jenipapo. Dizer que é diferente não explica nada, sei. Senti quase um leve frisante, produzida em parceria com uma cervejaria local é mesmo diferente.

Seguiu-se o modelo que quase todos os restaurantes que apresentam menu degustação oferecem: um shot (um gole de cachaça) e cinco snacks servidos juntos. O pãozinho “delícia” com siri bóia cumpriu o prometido, delícia mesmo. O couvert apresentado na sequência, aliás, pães quentinhos, opções crocantes, todos impregnados de sabor, e as manteigas, chamaram atenção. É na simplicidade que mora o requinte. O kefir (leite fermentado) apresentado em textura de mousse era defumado com azeite de manjericão, meu preferido com os pães. Acompanhou também as duas manteigas adocicadas: de goiaba cremosa e noisette, avelã em francês, de sabor amendoado e mais escura. A carne de porco seguiu o preparo tradicional no chamado fumeiro, é defumada no moquém, método indígena típico do Recôncavo Baiano, está na Arca do Gosto do movimento Slow Food, completou a proposta. O espumante LH Zanini Nature foi a harmonização certa, abriu a sequência que impressionou, assim como o trabalho do sommelier da casa.

Aliás, as bebidas, todas nacionais, exceto o vinho de sobremesa da chilena Viu Manent, conseguiram destacar os sabores dos pratos. Para o robalo apresentado em cubos na nage de lambreta, um caldo suave cozido com a concha, bem típico da Bahia, quase um ceviche, tinha azeite temperado e um inusitado tempurá minúsculo de tinta de lula e ovas de mujol. O resultado: técnica em harmonia e muito sabor. Para acompanhar um vinho da Chapada Diamantina, da Vinícola Uvva. Sauvignon Blanc a uva escolhida, 2020. Extremamente elegante, o vinho é produzido pela família Borré tendo a Serra do Sincorá protegendo os vinhedos em um terroir único.

Veio na sequência dois pedaços de lagosta levemente grelhados no ponto certo acompanhados por uma bisque suave, uma “emulsão” como definem no cardápio, ao lado de lâminas de pupunha quase cruas, mais uma farofa crocante com manteiga noisette e uma tuile de parmesão por cima, o enfeite do segundo prato, que nem precisava. Texturas e sabores se equilibravam em mais um prato que merece ser elogiado. Acompanhou o Brasile, Pinot Grigio e Rondinella, um rosé da Vinícola Valparaíso, que ganhou personalidade com a comida. O vinho servido na temperatura e taça certas, tinha acidez e estrutura que o prato exigia.

Seguiu uma interpretação do bobó, prato tradicional da culinária afro-brasileira. O camarão grande de sabor forte veio cobrindo o purê de consistência cremosa entre pequenos pedaços de couve-flor levemente tostados na brasa, mini brotos e flores. O vinho laranja – Exóticos – da Viapiana, 2021, foi o escolhido. Exemplar de Altos Montes, Flores da Cunha, Rio Grande do Sul, passa 12 meses em barricas de carvalho, é um vinho encorpado e equilibrado, 100% da uva branca Gros Manseng.

A carne de sol de Black Angus apresentou-se com farofa de tapioca, mousseline de abóbora, espuma de queijo meia cura e agrião. A carne de sol é curada no sal e açúcar e exige tempo, a servida estava no ponto: textura macia, dourada com a casquinha da fritura em manteiga de garrafa, com certeza. O vinho servido era outro destaque vindo da Chapada Diamantina, da Vinícola Uvva, um microlote produzido com a uva Syrah, 2021. Tudo em harmonia.

O último prato salgado, um carré de cabrito de textura firme, mais mousseline de fruta-pão com licuri, béarnaise de vinho tinto, uma novidade, e vinagrete de maxixe: destacou-se pela composição de sabores exóticos para nós do Sul. Clássicos da culinária francesa que revelam a formação do chef. Pedia um Malbec e ganhou: veio um blend com Merlot da Vinícola Thera, Fazenda Bom Retiro. Perfeito. O béarnaise, molho com vinho branco, gemas, estragão e vinagre, foi proposto com o tinto, na verdade, predomínio do roti, o molho clássico do assado.

Começam as doçuras

A bala cítrica de mangaba com o creme de frutas vermelhos avisou que as sobremesas entrariam, um bom presságio. Aceitaria mais uma se me oferecessem. Sabendo que a chef é uma confeiteira premiada, claro que cutucou a expectativa. Um rompope, um shot de creme inglês com canela, mais sorvete de umbu-cajá, com calda de hibisco, canela e mel foi a primeira e tive certeza de que a missão estava cumprida, queria todos os sabores desconhecidos no meu prato. Muita delicadeza reunida. Devorei. Por fim veio o “tesouros da Bahia”: doce de leite, bolo de milho crioulo vermelho, cocada de forno, farofa de licuri, sorvete de requeijão moreno. Não precisava de mais nada. Único pensamento: conhecer mais o trabalho deles.

Grupo Origem

Fabrício Lemos passou 14 anos nos Estados Unidos, formou-se na escola Le Cordon Bleu e trabalhou na rede de hoteis The Ritz-Carlton. Retornou a Salvador em 2010. Logo veio o reconhecimento e os prêmios nacionais. Ao lado da esposa e sócia Lisiane Arouca, começaram a abrir outras casas. Em 2018, abriram o Ori e, em 2020, o minibar Gem. Em 2021, o casal chegou o Omí, o novo restaurante do Fera Palace Hotel, agora cuidam de todo o setor de Alimentos e Bebidas, além do restaurante mediterrâneo  Fera Rooftop. Em 2022, surgiria o Segreto Ristorantino.

A chef-pâtissière Lisiane Arouca nasceu em Salvador, mas a infância em Amargosa, cidade do interior do Estado, inspirou a profissão, não saía da cozinha de suas tias confeiteiras. É formada em Gastronomia pela Estácio Bahia e tem o curso de Chef de Cozinha do Senac. Trabalhou em vários restaurantes de Salvador como chef confeiteira, assinando os cardápios de sobremesas.

Além de prêmios das revistas Veja e Prazeres da Mesa, os últimos recebidos recentemente: Restaurante do Ano do Nordeste, Restaurateur do Ano para ele e Chef Pâtissier do Ano para ela, entraram no ranking do The World’s 50 Best Restaurant 2022, lista dos 100 melhores, na 52ª colocação.

Restaurante Origem

Alameda das Algarobas 74 – Caminho das Árvores. Salvador, Bahia. www.restauranteorigem.com.br | @restauranteorigem 

Menu R$ 250,00

Jantar oferecido como cortesia para a jornalista.