Vinho e sorvete

Em cima de uma montanha, instalada há muitos séculos, San Giminiano medieval é caminho de descobertas, uma delas é a D!Vineria, do Massimo Delli, apaixonado por vinhos. Vale desviar a rota se estiver por esse canto da Itália.

Não falo aqui das obras de arte, dos palácios da cidade das torres – chegaram a ter 70 delas construídas em disputas entre famílias ricas e rivais que brigavam para mostrar poder e também para ter a melhor vista da Toscana pela janela de casa.

Eu falo desse pedacinho de prazer despretensioso, não só pela comida, tudo muito simples, mas também pelo modelo de negócio.

Massimo, o proprietário, fecha sua enoteca – numa “casatorre” de 980 – no inverno, pois quase todas as mesas do lugar são ao ar livre. Aproveita para viajar e descansar.

Quando o tempo melhora ele reabre. No site, ele diz que “não teme a concorrência”, entendi porquê.

Sua rotina, todos os dias, é fazer os pedidos de compra pelo telefone ou ir atrás de bons produtos da região pessoalmente. Volta, faz alguns preparos, arruma as mesas, varre o chão, fatia pães, frios, frutas e queijos e começa a atender os clientes até o sol se despedir. Não tem funcionários, nem pratos sofisticados. Tem produtos de qualidade, locais e orgânicos, como os embutidos com carne de porco Cinta Senese, que é de Origem Controlada, como o nosso Porco Moura. Elegância transborda ali, e claro, uma carta de vinho para muitos gostos. Trabalha feliz. É fácil perceber.

Você senta num canto acanhado, meio escondido, imagina a história que passou naquelas paredes e gasta o tempo assim, entre olhar a “Torri Gemelle”, na sombra de um grande guarda-sol branco, e a “Canpanile del Duomo”. Continua com uma longa respiração, pega a taça de vinho na mão, sente os aromas da bebida, dá umas voltas girando-a, olha a sua cor, sente mais uma vez os aromas, devem ter mudado, toma um gole, deixe o líquido invadir delicadamente sua boca, mais um gole, come um pedaço de pão e de queijo e pensa mais uma vez na oportunidade única que tem de prolongar a felicidade.

Sorvetes

Pra completar o dia, sai dali e na praça da Duomo escolhe para entrar em uma das duas filas enormes – são as sorveterias que disputam a faixa de “o melhor gelato da cidade”. Eu fiquei com a Dondoli – a Gelateria da Piazza – e acertei, até hoje não existe concorrente pra ela. Tão especial que o mestre sorveteiro – master ice-cream maker – Sérgio Dondoli precisou abrir outra loja em Paris. Não deixe a fila da Dondoli te assustar, é enorme, mas a destreza no atendimento, são muitas mãos enchendo os copinhos e cones, faz você nem perceber que esperou. Aos interessados em se aprofundar no tema, procure a escola dele. Fãs de sorvete vão agradecer.

E passatempo que não se despreza é provar gelatos sem compromisso pelas cidades italianas, na tentativa de dar de cara com a perfeição – só digo que você não pode sair do país sem provar os seguintes sabores: pistache, de Bronte, Sicília; avelã do Piemonte; e se tiver o privilégio que eu tive, o especial – creme de açafrão com pinoli, produção dali. “Uma preciosa espécie sempre presente na história da cidade”. É D.O.P. um produto de origem controlada. Só não me conformo de não ter experimentado o figo seco de Carmignano. Está na lista.

De posse do meu pote, fiquei quieta por mais uns longos minutos a cada intervalo entre colheradas e lambidas. Primeiro, deixava o sedoso creme gelado envolver a boca toda e escorregar em pequenas doses para prolongar o prazer que não esqueço. Depois, fechava os olhos e sentia sabor. Esperava o próximo encontro gelado com a língua, a boca toda. Engolia mais uma vez. Esperava a saliva se esgotar. Imagino que nunca mais um simples gelato vai me carregar ao paraíso assim. Agradeço sempre a Catherine de Medici, que, no século XVI, apresentou o paladar refinado aos mortais, e ao Sérgio, premiado na França e no Japão, que guarda essa tradição para nós há 30 anos, espalha sua paixão, e faz esse gelato artesanal, com o leite de 10 vacas de uma propriedade da região adotadas por ele. San Giminiano é destino na próxima viagem.