O restaurante Da Terra do chef Rafael Cagali, está no cobiçado rool de restaurantes com a segunda estrela Michelin.

Como falar de um restaurante  que eu não conheço e, se nunca fui, por que escrever sobre ele? Porque o Da Terra, do paulistano Rafael Cagali, tem chamado a atenção de críticos. Meu radar, que me levou por anos às mesas mais incríveis, deu sinal.

Explicações dadas, digo, que recentemente seu restaurante, que fica em Londres, ganhou a segunda estrela do Guia Michelin. A primeira veio oito meses depois de aberto, em janeiro de 2019, a segunda com o ranking de 2021. O guia fez o lançamento apesar do lockdown em função da pandemia, que feechou muitos restaurantes.

QUEM É RAFAEL CAGALI

Como muitos jovens e cozinheiros, Rafael Cagali estava no curso errado, no caso era o segundo ano de Economia. Assim, uma oportunidade de viajar para a Inglaterra foi agarrada. A intenção era ficar um ano fora e aperfeiçoar o idioma. Como muitos jovens, precisou trabalhar para se sustentar. Adivinhe, um restaurante perto da escola que frequentava piscou para ele. Ali, já desconfiou que sua vida mudaria. O coração sinalizou. Seguiu direto para o Westminster College. A escolha desta vez não deixou dúvida: gastronomia. Não saiu mais da cozinha.

Antes disso, encarar os fogões profissionalmente, mesmo que a vida desse pistas, era impensável. Rafael não imaginava que seguiria os passos da família, que há 20 anos tem um buffet em Atibaia. A mãe, Tânia Mascarenhas, também tocou ao lado de uma tia por muito tempo o restaurante Sublime Sabor, que ficava no bairro de Pinheiros.

RAÍZES

Longe do Brasil há muito tempo e tendo aprendido a cozinhar fora, Rafael resgata memórias para dar uma identidade ao Da Terra. Sem querer ter um “carimbo” de restaurante brasileiro, até porque tem influência de outros países em que viveu e vive. “Eu troco uma ideia com a minha mãe e a minha vó, interpreto do meu modo e vejo a possibilidade de traduzir isso no menu”, explica.

Com uma cozinha ancorada na América do Sul e na Itália – seu sócio é argentino e o bisavô, italiano -, Rafael carrega também a experiência de restaurantes na Espanha, como o de Quique Dacosta, e em outros lugares como na Inglaterra, quando trabalho no The Fat Duck, do chef Heston Blumenthal.

Não esquecer de onde veio, da família e dos amigos é mantra para ele, que se define como uma pessoa determinada, batalhadora e humilde. Leia a entrevista.

Você usa os ingredientes da estação e o menu não muda muito. Como é isso?

Considerando que estamos abertos há um ano e meio, incluindo quase seis meses de fechamento durante a pandemia, o menu mudou muito desde o primeiro dia. Eu procurei sempre melhorar os pratos até que cheguem no seu potencial maior. Os produtos da estação estão ali para acrescentar, mas não necessariamente para serem os protagonistas. Isso implicaria em mudar o tempo todo e, a meu ver, perderia a consistência dos pratos e do menu.

Água clara de tomate para a salada com pão velho, azeitona, manjericão e flores. Água clara de tomate para a salada com pão velho, azeitona, manjericão e flores. | Alex Teuscher

Como você conheceu o teu sócio, o argentino Paulo Airando? Como surgiu a sociedade? E como vocês dividem o trabalho, já que ele fica no outro restaurante dele, o Amelia, em San Sebastian, no País Basco?

O Paulo veio fazer um estágio enquanto eu já estava lá trabalhando no Fat Duck. Foi aí que nos conhecemos e mantivemos o contato ao longo do tempo. Anos depois, veio a ideia de fazermos algo e surgiu a oportunidade de abrir o Da Terra. O nome veio justamente “das origens” nossas. O espaço onde estamos já era bem conhecido por ter tido outros restaurantes e sempre o achei perfeito para fazer o que queria, mesmo sendo em uma região não muito atrativa. Trocamos bastante ideias, mas, claro, o Paulo se concentra no Amelia e eu toco tudo no Da Terra.

Você serve alguns pratos brasileiros, como a moqueca. Como é preparada? E o teu brigadeiro é com leite condensado? Quais são os teus pratos que você considera mais emblemáticos?

Cheguei a fazer brigadeiro quando tínhamos o bar do lado, mas já não faço mais. Fiz como um cremoux (ganache) e enrolei no granulado, cheguei até a fazer beijinho como petit four. O interessante de tudo isso é apresentar esses sabores aos clientes, sendo que 99% não tem conhecimento da nossa cozinha. Até eu acabo aprendendo e me educando também. A moqueca comecei a fazer no estilo baiana, com dendê e tudo, daí uso o líquido para finalizar na mesa com a farofa de mandioca e cogumelos (hen of the woods). Todo mundo ama esse prato!

Restaurante Da Terra: Feijoada inspira o prato com cortes de carne de porco e feijão preto, farofa, bacon e banana.
Feijoada inspira o prato com cortes de carne de porco e feijão preto, farofa, bacon e banana.| Alex Teuscher

Qual a emoção de receber a primeira estrela Michelin em tão pouco tempo? E a segunda? O movimento no restaurante aumentou? Você almejava essa premiação?

Não tem como descrever, na verdade, só sentindo. Quando você vive situações de muito sacrifício, como no meu caso, em que eu saí de casa sem imaginar o que viria pela frente e conquistei isso, é uma vitória mesmo. Abrimos em janeiro de 2019 e em outubro recebi um email da Michelin convidando para a cerimônia que seria dois dias depois. Fiquei sem lágrimas porque já tinha chorado tudo e mais um pouco. O movimento do restaurante mudou muito desde a primeira estrela. Não acho que teríamos sobrevivido à pandemia sem ela.

A segunda foi mais especial. Em um ano tão difícil, recebi uma ligação do Michelin para fazer parte da cerimônia que, até então, seria online este ano. Também ali foi inacreditável, mas faltou estar perto do meu time que é fantástico, por estarmos no meio do lockdown. O trabalho no Da Terra sempre foi feito em busca de um alto nível, porque sou superexigente e sempre trabalhei em grandes restaurantes estrelados. Eu sei o sacrifício, a consistência que tem que ter. Nunca fui de ficar falando para o meu staff que vamos em busca da estrela.

O trabalho foi feito para buscar dar ao cliente uma perfeita experiência gastronômica. As estrelas são a consequência disso, o fruto do que se planta. E claro, em busca da felicidade da minha equipe: eles felizes, os clientes felizes, a comida fica boa também.

Qual o valor dos menus que você serve?

No Da Terra temos dois menus de degustação, um longo de 10 pratos a 145 libras (em torno de R$ 1 mil) e um curto de sete pratos a 130 libras (R$ 900). Provavelmente os preços vão subir um pouquinho. Tudo sobe, por que não o menu? Acho importante que as pessoas, clientes, entendam o quanto é difícil manter um restaurante vivo, os custos etc.

Serviço:
Da Terra Restaurant – Town Hall Hotel 8 Patriot Square E2 9NF, Londres – Reino Unido. T. 44 20 7062-2052.
Instagram: @daterrarestaurant E-mail: [email protected]

Brasil no mapa internacional

Além de Rafael Cagali, outros brasileiros abriram restaurantes fora do Brasil e fazem sucesso. O manauense Marcelo Ballardin, que tem seu restaurante no Norte da Bélgica, o Oak Gent, ganhou a primeira estrela do guia Michelin em 2018. Estrela também em 2019 para o carioca Raphael Rego, do Oka, em Paris, que apresenta uma cozinha franco-brasileira. No time que faz sucesso fora está o paulista Ivan Brehm, com o seu Nouri, em Singapura. E Pedro Forato, que trocou a arquitetura pela cozinha e hoje está no Prado Mercearia, em Lisboa. As oportunidades fora, como a estabilidade, justificam a troca de país, dizem.

Um dos caminhos para o Brasil ganhar o reconhecimento internacional e até ser mais reconhecido na própria casa é levar ao mundo nossas raízes e talentos. Vale participar de eventos, entrar em rankings, cozinhar em todos os cantos, e claro, abrir restaurantes em outras cidades. Coisa que não fomos tão rápidos assim, como os exemplos do México e do Peru, que assumiram a liderança de polo criativo. Faltava esse passo.

Quem vai rompê-lo será a paranaense Manu Buffara, do restaurante Manu, em Curitiba. Na reta final de montagem de equipamentos e seu Ella, em NY, deve abrir em março de 2022. Adiado pela pandemia também é o empreendimento do chef Rodrigo Oliveira, do Mocotó, em São Paulo. O restaurante em Los Angeles, proposta do grupo Sprout, vai em um ritmo mais lento, não tem data de abertura, nem nome ainda. Seguirá o modelo do Balaio IMS, em São Paulo, com 120 lugares e cardápio focado na diversidade da nossa cozinha, sem a pegada sertaneja. Victor Vasconcellos, que foi chef do Balaio já mora lá e vai tocar o novo restaurante.

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