Sem bola de cristal para adivinhar o futuro, era tudo o que queríamos, temos algumas pistas olhando para quem enfrentou a pandemia antes de ela chegar ao Brasil.

“Quando reabrimos tínhamos pouco movimento, mas agora o número de clientes está crescendo. Esse é um trabalho que temos que fazer pós covid-19. Fazer os clientes confiarem em nós”, disse o chef Mauro Colagreco, que tem restaurantes em três continentes.

A vida continua. Uma parte do mundo começa a voltar ao que poderíamos chamar de “normal”, ou o “novo normal”. Na China, por exemplo, as pessoas estão retomando as rotinas, com restrições, pouco a pouco, e com máscaras e luvas.

“Em Hong Kong os clientes chegam usando máscaras e tiram depois de medir a temperatura. A equipe de salão usa o tempo todo”, conta o chef.

Lives

De repente fomos inundados por lives que trazem inspiração com reflexões, ideias e que podem ajudar cozinheiros e empresários a enfrentarem os desafios de um mundo quase parado pela pandemia Covid-19. Criatividade é o que mais precisamos agora.

O chef argentino, único não francês a ganhar três estrelas Michelin na França, Mauro Colagreco, abriu nesta segunda-feira (4/5), a série de lives webinars produzida pelo San Sebastian Gastronomika – Euskadi Basque Culinary, disponível no site da instituição.

Colagreco começou sua fala na live do Gastronomika com uma provocação: “as mudanças estão nas suas mãos. Quanto estamos dispostos a sacrificar? Podemos desistir no nosso conforto? Não se trata de custos, é sobre realmente querer mudanças e essa mudança com criatividade, flexibilidade e capacidade de adaptação vai levar-nos à sobrevivência”.

Solução na natureza

Para o chef, as ações são uma escolha política e filosófica. “Como manipuladores de alimentos estamos em contato com a realidade do nosso planeta, pesca indiscriminada, uso de pesticidas no campo, criação intensiva e extensiva de animais e poluição que geramos no restaurante. Nossas ações têm efeitos seja se estamos administrando um restaurante sofisticado ou uma pizzaria”.

Colagreco sabe que não existe uma solução para um único modelo, mas de uma mudança de visão em todo o setor. Ele defende voltar à natureza, com sustentabilidade como pilar. “É o futuro”, afirmou. O chef contou que tomou um susto quando descobriu que estava gastando 10 mil quilômetros de filme-plástico e mudou para materiais compostáveis e sacos a vácuo biodegradáveis, e o delivery, que é uma solução temporária, implica em uso de plásticos. “É um custo inicial, mas é uma linha construtiva de boas práticas que, em geral, está nos levando a consumir menos“.

“Vamos ter de trabalhar mais horas. Todos nós. Por isso, perguntei o que estávamos dispostos a renunciar. Ainda é tempo de mudança”.

Ele já abriu as reservas do restaurante Mirazur, em Menton, na França, para junho com sucesso e espera que as viagens pela Europa estejam liberadas. Por sorte, a maioria dos seus clientes são de franceses e da região, diferentemente da maioria dos restaurantes sofisticados que dependem do turismo.

Respondendo a uma crítica de que seria impossível trabalhar mais, com menos renda e custos trabalhistas, Colagreco rebateu afirmando que haverá custos financeiros, “mas a riqueza econômica não é a única riqueza que estamos gerando. Trata-se de pensar sobre as coisas, tanto para a sociedade quanto para nós mesmos”, concluiu.

Sangue na Guelra

O jornalista Rafael Tonton e o economista Joan Melé participaram ao lado de Colagreco da live do simpósio Sangue na Guelra, que apresenta – o evento continua nesta terça-feira – o tema The Power of Food (o poder da comida), evento organizado pela Amuse Bouche, dos jornalistas Paulo Barata e Ana Músico, transmitido pelo Facebook e Youtube.

Indagado pelo mediador do painel sobre a nossa relação com o alimento, o economista Joan Melé lembrou do nosso desajuste com a terra e disse que estamos vivendo numa economia doente. “O ser humano perdeu o sentido da vida. Terra e humanos são uma coisa só. A natureza nos dá tudo e consumimos sem pensar”, disse.

O economista enfatizou que precisaremos ter um consumo mais responsável daqui para frente. “O novo consumo deve levar em conta quem e como produziu”. Colagreco lembrou que a natureza está nos mostrando que estamos desequilibrados. O chef que tem uma horta no seu restaurante está doando o excedente para a comunidade vizinha e pensa em um projeto maior que possa servir de vitrine para mostrar o que é possível fazer.

Um dos problemas apontados por Joan é a acomodação, com essa crise, com milhões de desempregados, vamos precisar aprender e mudar, mas não acredita que a maioria será tocada. Ele tem mais esperança com os jovens, que já se mostram sensíveis ao tema. “A alimentação deve gerar saúde, não doença. Isso é muito sério. Deveríamos voltar também para as matérias da área de humanas que foram substituídas, ler mais clássicos, estudar história e filosofia”, disse em tom de desabafo.

Os dois concordam que essa crise está passando uma mensagem e que a escola deveria ir além de técnicas e receitas e ensinar sobre o valor dos alimentos e educar para sobreviver.  

Sobre Mauro Colagreco

Depois de treinar no Instituto Gato Dumas em Buenos Aires e começar como cozinheiro nos melhores restaurantes da capital argentina, Mauro Colagreco se mudou para a França em 2000, onde trabalhou com grandes chefs franceses como Alain Passard, Alain Ducasse e Guy Martin até 2005.  Em abril de 2006, ele abriu o Mirazur, onde obteve muitos sucessos que culminaram no ano passado com uma terceira estrela Michelin.  No ano de 2019 o chegou a primeira posição na lista das 50 melhores restaurantes do mundo.  Colagreco também tem restaurante na Argentina, em Macau, Palm Beach (EUA), Bangkok e Pequim.