Dentro do táxi pelas ruelas e ladeiras da Vila Madalena, ia com alguém desconfiado da minha escolha para o jantar. 

“Como é o restaurante?”

Eu falei o nome pra ver se ele adivinhava. Cais. 

“Cais?” 

É. Cais. 

“O que serve?”

Pense, chama Cais. Cais lembra o que? Mar, né?

Exigente com frutos do mar, minha companhia não se animou com a proposta. Chegamos. Será que era ali? Era. 

“Tem certeza?”, perguntou. 

O nome meio apagado no muro de uma casinha que quase parecia pendurada e escondida também não o inspirou. O motorista deu um sorriso irônico, “o endereço tá certo”, disse e soltou um “bom jantar pra vocês”.

Cardápio enxuto em mãos e opção de “banquete” para compartilhar foi a escolha, já tinha me animado quando vi a opção do Instagram, culpa do camarão carabineiro, que viraria estrela da noite, fora o peixe na brasa e os acompanhamentos, o atendimento, os vinhos, os pães quentinhos, a manteiga na temperatura certa no couvert, os crudos, enfim, quase nada revolto no mar desse cais.

Escolha feita, o banquete é para compartilhar e simples, focado na qualidade dos pescados. Só quero isso na vida.

Seguimos com o pedido das bebidas. Eu feliz com as boas opções de vinho em taça, ele já meio bicudo que a casa não tem coquetéis.

“Nem um rum? Nem um gim?”

Não. Cais é “mar e vinhos “. Acabou um tanto inconformado cedendo a minha escolha de um bom Chablis, que ele confundiu achando que seria um crémant. Definitivamente, não começamos  bem.

Restrições? 

Ele: “ostra de cativeiro de Santa Catarina”.

Outro sinal pra torcida de nariz, ele não come. O mar parecia entornar e o Luka segurando a onda, soltou o “vamos substituir”, dando um jeito e derramando-se em simpatia.

Começamos com a focaccia da casa, que veio quentinha (como deve ser) e a seleção de antepastos. Azeitonas carnudas temperadas por eles abriram o apetite. A sardela estava um pouquinho salgada para o meu paladar, a manteiga de kefir perfeita.

Entra a seção fria: “seleção dos peixes e frutos do mar mais frescos da semana”. O olhete servido na água de tomate, com pedaços de macadâmia para o toque crocante, veio com frescor, doçura  e acidez. 

O atum tinha companhia perfeita, a laranja trouxe acidez, o crocante era da erva-doce fatiada, mais o pistache, mais azeitona, comemorei a vinda  de uma colher. Tudo indo muito bem.

Chegou a terceira parte: o carabineiro, que a xará de apelido, a Ju, serviu. “Tem que chupar a cabeça, melhor com um pouco de Jerez dentro”, disse. Ele olhou pra ela sério: “Você tem certeza?”

“Tenho”, ela respondeu. Não sei o que aconteceu que ele, pela primeira vez na vida, tendo recusado em várias mesas pelo mundo, resolveu encarar, com o olhar da outra Ju de prova. Ela não sabia o risco que corria. Se fosse ruim, bem, melhor não pensar nisso. Pois, as Ju’s, eu e ela, saímos vitoriosas: ele sorrindo feliz com a decisão. O camarão-carabineiro tem aparecido ultimamente nos restaurantes, é mais raro, bem vermelho, de águas profundas, um barco apenas – de Santa Catarina – pesca, é caro e de sabor forte. 

Ninguém me falou do Cais, mas fico de olho nos feeds de alguns jornalistas, Luiza Fecarrota entre eles, sabe fazer boas escolhas. Coloquei na minha lista.

Volto algumas casas no jogo que é acertar um jantar, que pode ser o céu e pode ser, bem, pode ser uma experiência qualquer, ou até desastrosa, para contar sobre a “seção quente: peixe na brasa com belo molho e seleção de acompanhamentos”. O robalo estava no ponto, tenro, amanteigado e tinha a pele tostada e crocante, servido com: tomate momotaro, aquele tomate bem redondo, adocicado e rosado, usado em saladas, minialcaparras, temperados com azeite e vinagre de Jerez; brioche quentinho pra chuchar no molho, que era “belo” mesmo, como prometido; cebola cozida em uma glacê de frango e um creme de queijo boursin, mais o toque crocante da cebola crispy e azedinha que completava os sabores. Combinação acertada.

No jantar, só dispensaria a ostra e o maçarico na tortinha de queijo de sobremesa que deixou um gosto forte. Na próxima vez escolheremos o balcão pra ficar mais perto dos cozinheiros. Porque voltar ao Cais é uma decisão já tomada. Catarina Ferraz, uma arquiteta que deixou as pranchetas de lado pra encarar a cozinha, mas não deixou de visitar museus toda semana, estava lá sem o sócio, o ex-publicitário Adriano di Laurentiis, que voltaria das férias no dia seguinte. O que sei é que na cozinha estão: a Maria Isabel e o Matheus “que entendem de peixes”; no salão: a Ju e o Luka, que eu conheci; e o sommelier Gustavo Girardi. Bem, tem mais gente na equipe afiada, eles dividem o trabalho despretensiosamente, têm talento e capricham. @restaurantecais – rua Fidalga, 314 São Paulo