Chefs que servem apenas menu degustação nos seus restaurantes torcem o nariz levantando o canto dos lábios fechados com desprezo quando ouvem falar que o modelo está com os dias contados, que a maioria dos clientes não quer saber de uma refeição longa e de muitos cifrões.

Tem chef que nunca serviu e espera fazer mais nome para aventurar-se, sonha com isso, tem quem fica na dúvida e ensaia várias versões e desiste, tem quem serve e nem pensa em mudar o estilo, e tem aqueles que abominam esse tipo de serviço.

Toquei no assunto no blog quando escutei um apelo “a gente não aguenta três, quatro carnes ao final da refeição depois de tantos pratos. O que acha de uma campanha para servir as proteínas no começo do menu?”, sugeriu o amigo inconformado, emendando a reclamação pelo valor. Quem é que pode pagar 300 ou 400 dólares, ou euros, ou reais – os preços se equivalem mais ou menos assim –, fora bebidas e taxas? Os muito ricos ou os muito loucos, meu caso, respondo. O valor é um dos problemas do formato.
 
Entrando na carreira anos atrás e perplexa com o que acontecia nas principais mesas do mundo virei estátua em frente ao empresário Jacques Trefois. Não consegui nem perguntar “mas por quê?”. O cara que havia estado no famoso elBulli, do catalão Ferran Adrià, quase 20 vezes, e frequentava os melhores restaurantes sonhava com uma massa bem preparada.
 
Recentemente, estive no Chefs Table at Brooklyn Fare em Manhattan, NY. Precisava conhecer, empacava na reserva. Poucos lugares que se esgotam no primeiro dia de cada mês. Caríssimo. Ingredientes incríveis, a começar pelo uni de Hokkaido e caviar russo. Servem tudo do melhor. A técnica é perfeita, assim como o serviço e as bebidas. Estava quase dentro dos fogões, sentada em frente ao balcão da cozinha, comendo muito bem e não me empolguei. O ambiente parece cirúrgico. É o modelo feito para impressionar e para quem não tem problema com a fatura do cartão de crédito, aliás, nem usa, paga à vista.
 
Afinal, vai acabar?
O fim do menu degustação é tema explorado por jornalistas e foodies. Quando a comida não convence é duro aguentar horas comendo, reclamamos. Conclusão: o problema não é o formato, sim o quê e como é servido. Um menu do El Celler de Can Roca, em Girona, perto de Barcelona, pode durar cinco horas e ali você esquece do tempo e da vida. Puro deleite.
 
Outros restaurantes servem um menu-degustação mais simples e eu iria correndo sempre: Asador Etxebarri, no País Basco, que depois de muitos anos meio incógnito, apareceu na lista dos 50 melhores restaurantes do mundo. Nunca entendia como não circulava na The World’s 50 Best Restaurants, subiu de supetão. As reservas, que já eram disputadas, agora são impossíveis. Encravado entre montanhas de um minúsculo vilarejo, a explicação do sucesso está na simplicidade e sabor dos ingredientes, além da técnica de Victor Arguinzoniz, que prepara tudo na brasa. O menu não é longo, muito menos complicado e, em alguns momentos, é bom tomar cuidado, uma lágrima pode rolar a face discretamente. Já aconteceu comigo.
 
Outros chefs podem tirar o sono com criações improváveis, o problema é que tem cliente que só quer se divertir. Lembro do chef Alberto Adrià me explicando porque havia limitado em um dos seus restaurantes em Barcelona, o mais conceitual, na época chamado 41 Grados, hoje Enigma, para no máximo quatro pessoas. “Mais de quatro é festa, ninguém presta atenção na comida”. Concordei.
 
No Brasil predominam os modelos mistos, servem à la carte, menu executivo e degustação atendendo vários interesses, bolsos e horários, como o restaurante Mani, da chef Helena Rizzo, em São Paulo. Funciona. Servido no horário do almoço, por exemplo, a aventura de um menu longo só é possível apenas se você está em viagem de férias. Cidades menores, como Curitiba, ressentem a falta de turistas para esse formato. Não tem muito público. Os moradores locais aparecem geralmente para comemorar uma data especial.
 
Formação de equipe
Mão de obra qualificada para esse tipo de serviço, é preciso cozinheiros dedicados, talentosos e com alguma experiência, também vira problema. Não conseguimos competir com a Europa, ou os Estados Unidos, onde além de uma formação muito mais completa e longa do que temos aqui, os profissionais trabalham mais horas, perseguem anos de experiência, 10 anos no mínimo, depois de terminar a faculdade e antes de encarar uma cozinha com o seu nome.
 
Helena Rizzo contornou isso criando um laboratório patrocinado pela Veuve Clicquot. Ali os alunos podem ter aula até com um crítico de arte ou com um sociólogo. Ajuda a ampliar os horizontes para criar e ter repertório. Cozinheiros podem perguntar o que isso importa, sim, digo que visitar museus é fundamental. Ser chef vai além de saber cozinhar, ou cozinhar bem. Isso é básico.
 
Enfim, vida longa para o menu degustação, apesar de eu já estar desviando o caminho deles e querendo apenas uma pasta caseira ou indo atrás do melhor katsu-sando, o sanduiche japonês de porco. Continuo sempre em busca de novidades e da refeição perfeita. O sinal aponta para a Ásia.