Fomos avisados: “vocês estão na parte de Portugal que se come melhor”, disse o chef Antônio Nobre, já puxando a sardinha para a sua brasa, evidentemente. Mas come-se bem em todo país, concluo depois de alguns intensos dias passados ali, o que já sabia, confesso.
Ele explicou também que era uma região muito pobre do país e que hoje ir ao Alentejo, aonde estávamos, é um luxo. Reforço, é um luxo ir a Portugal, todo mundo quer mudar para lá. Até a Madona foi.
Esta foi a introdução antes de ele começar a explicar como faríamos um doce pouco conhecido aqui no Brasil, eu pelo menos nunca tinha ouvido falar das “encharcadas” e olha que parte da minha família é de Trás-os-Montes.
Entender isso foi a parte fácil da aula que ganhamos do chef executivo do hotel M’AR DE AR Muralhas, um cinco estrelas de Évora. Antônio Nobre é conhecido e famoso por ser um dos chefs que trabalham com receitas tradicionais alentejanas.
Um pouco mais difícil foi dar conta da receita, que se aprende vendo e fazendo, não adianta a escrita, então, leitores, sem sair da sua casa, vocês terão o privilégio de aprender um dos doces mais clássicos do repertório da famosa doçaria portuguesa – os doces feitos nos conventos, com ovos e açúcar, como ingredientes principais. Mais com as gemas porque as claras eram usadas para passar as roupas.
Carla Pernambuco, nossa estimada e famosa chef que nos acompanhava, contou um pouco mais da história dos doces feitos nos conventos. Mais uma preciosidade, entre tantas desses dias passados lá, Carla deu a dica de um livro que agora entrou para a lista do sonho em possuir. Já falo.
Ela contou que as mulheres de personalidade mais forte e criativas, que costumavam dar trabalho aos pais, eram enclausuradas nos conventos e lá começavam a preparar iguarias ricas e diferentes nominando-as com os mais sugestivos nomes possíveis.
A história de ligar o doce com o amor também é da mesma época. Toucinho do Céu, Ovos Moles, Papo de Anjo, Baba de Moça, Barriga de Freira e por aí vai.
Explicações
Vocês têm a receita escrita, mas não vão saber fazer porque “é difícil, é difícil de entender”, frisou mais uma vez o chef. É preciso ver, fazer junto, enfim, experimentar. Calma, vou colocar uns vídeos. Dá certo.
Receita Encharcadas -Doce Português
Vamos precisar de 22 ovos. “A pastelaria é uma coisa rigorosa, devemos seguir à risca”, alertou. Quatro ovos inteiros e 18 gemas. Coloca-se em “passador de rede”, adoro os nomes em português de Portugal, é tudo muito óbvio. Ah, não pensem em “fios de ovos”, foi o que achamos, apesar da similaridade.
Às vezes em uma distância pequena no Alentejo e você pode achar algumas diferenças nos preparos. Antigamente, as receitas eram passadas de boca em boca e ou a pessoa conseguia o ponto, ou não, daí as diferenças.
Vamos precisar de dois cilindros bem cheios de água (2 dl) e 750g de açúcar para a calda e chegar a temperatura de 108 graus sem usar um termômetro. E agora vamos aos vídeos para aprender e uma explicação.
Dl é decilitro, um submúltiplo de litro. Um litro dividido por 10, que é igual a 100ml. Você acrescenta um zero e tira a vírgula. Então, o 2,0 dl da receita é igual a 200ml. A explicação é do matemático Marcos Noé.
Mais explicações
Mesmo com o vídeo, escrevo algumas dicas que o chef deu. Quanto mais alto a peneira estiver melhor, movimentos circulares sempre e fazendo as “cruzes” na panela com uma faca, porque precisamos fazer umas trouxas de ovos e não ovos mexidos. Quando ficar coberto de espuma é que a calda está pronta. A canela só se coloca quando o doce estiver frio.
A frase da jornalista Teresa Vivas, que organizou a viagem, ficou marcada. “Caldeirão que se olha não ferve”, esperávamos ansiosos e nada da calda de açúcar pegar o ponto. Já experimentou ficar olhando e demorar para ferver? Isso sempre acontece.
Depois de escrever esse post todo é que me dei conta que não consigo colocar vídeo aqui. Desculpe, vocês terão que olhar o Instagram.
Livros
O livro das histórias comentadas anteriormente é O Doce Nunca Amargou, editora Colares, que tem receitas também e foi a dica da chef Carla Pernambuco. Já a jornalista Alexandra Forbes repassou a indicação do livro Cozinha Tradicional Portuguesa, da Maria de Lourdes Modesto, que tem tudo o que é preciso saber para cozinhar como os portugueses. Outro que preciso ter.
“Aula rápida e concisa, não podia ser melhor”, foi a conclusão de todos. Inesquecivelmente doce, acrescento.
Receita
18 gemas, mais 4 ovos inteiros
750gr de açúcar
200ml de água
canela qb (quanto baste)
Prepare a calda com o açúcar e a água, quando atingir o ponto de caramelo (começar a ferver), acrescente os ovos e as gemas vagarosamente com uma peneira mexendo com movimentos circulares.
Hotel M’AR De AR Muralhas
Travessa da Palmeira, 4/6
7000-546 Évora – Portugal