como é uma newsletter sobre comida, sobre devaneios e passeios em bandas outras pelos muitos mundos (reflexões também). pretende ser semanal. ainda sem logo e sem saber como funciona, começo mesmo assim. o fim do mundo se aproxima, pode ser do meu ou do nosso.

“minha vida mudou” – escuto Jorge Aragão cantar – foi quando iniciei um blog sobre gastronomia. escrevo em caixa baixa mesmo (o que pode causar estranheza, surpresa. leio no dicionário: esquivança. adoro dicionários, além de boa comida e bebida, conhecer lugares e pessoas). “caixa baixa” me dá a impressão de ser uma escrita mais despretensiosa e permitir erros (de todos os tipos, assumo até os gramaticais, amo revisões que não teremos, infelizmente). incomoda ler em caixa baixa?

de lá do começo pra cá do recomeço foram altos e baixos e muito avião. agora, sem direção certa e cheia de dúvidas: crio um podcast?; esqueço o instagram?; atualizo ou não o site (jussaravoss.com.br)?; encerro o blog (no bom gourmet)?. ou ainda: me concentro nos projetos que me enchem os olhos (o corpo inteiro) de alegria, dançar, por exemplo. certeza tenho de seguir com o Letras à Mesa e a Gastromotiva, ONG que educa, une e alimenta. cheia de se faço isso ou aquilo, escrevo livros: o primeiro publicado foi uma encomenda da Abrasel/PR, o segundo também, (lançamento será em dezembro de 2024). os dois sobre sustentabilidade.

mas o primeiro autoral saiu em outubro. são crônicas de gastronomia, mais de 100 restaurantes visitados pelo mundo e muito da minha história e da história da gastronomia dos países visitados. adiei a publicação o quanto pude (será mesmo necessário eu me mostrar tanto assim? o que escrevi é relevante?).

saiu pela editora Telaranha e pelo esforço, insistência e muitas coisas mais da Julie Fank. sem decidir ao certo o futuro (não me pertence, eu sei), são tantas ideias e dúvidas, me atrevo a começar uma newsletter para dar conta do que fiz, onde fui, o que comi, do que virá, das dificuldades e problemas e dos bons momentos nas cozinhas. assim coloco tudo no mesmo lugar. você leitor vai precisar assiná-la para acompanhar. já saíram dois números.

antes do fim de semana e no feriado

encontrei esse texto parado e quase esquecido. vou começar por ele, apesar de a data correr para o passado meio distante. recebi o convite do Felipe Miyake, chef do DUQ, em Curitiba, e da confraria Gastro Rosé, da Ana Wingert. o restaurante impressiona até do lado de fora, com o painel do André Mendes na esquina da Carlos de Carvalho com a Fernando Moreira. e com esses nomes estou autorizada a gastar adjetivos, são lindíssimos e talentosos: o restaurante, o projeto, o chef, o sommelier da casa, o artista plástico e ela.

convite do evento enogastronômico também foi pela importadora Mise en Place Wine e vinícola Morandé todos responsáveis pelos momentos de suspiros na noite de degustação. colocaria mais adjetivos não fosse ser condenada. começamos com a linha Morandé Black: Chardonnay e Pinot Noir. acabei comprando um exemplar da Pinot, gostei muito, eu e a famosa crítica Jancis Robinson, que o considerou o melhor vinho do Chile, soube depois lendo o material de divulgação. bingo.

primeiro prato: um gnudi de ricota com manteiga de avelã, perfumado com limão siciliano (devorei as bolotas). o gnudi é um prato típico da Toscana. lembra o nhoque. depois veio a codorna ao molho chasseur, o molho do caçador, que lá em casa fazemos parecido, sempre servida com polenta cremosa. difícil dar sabor as codornas, andam mirradinhas, devem passar por vinha d’alho e exigem horas de fogo pra amaciar a carne. restaurantes usam o forno combinado (responsável por padronizar tudo. acho que sobra romantismo de minha parte, todo mundo usa, eu e muita gente conhecida implicamos um pouco com ele. facilita a vida de cozinheiros, eu sei). penso que é difícil competir com o modo caseiro. guardei o vinho para quando preparar o prato em casa.

depois degustamos três safras (2018, 2019 e 2020) da chamada série ícone House of Morandé, além do exclusivo Golden Harvest Edición Limitada. os vinhos dessa série  – blend clássico de Bordeaux, Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc e Carignan – vêm da propriedade em San Bernardo, em Maipo Alto. a safra de 2018 alcançou 97 pontos no Guia Descorchados e foi eleito o Melhor Blend Tinto do Chile. comprei também. o prato que acompanhou foi um enorme stinco de cordeiro assado no próprio molho (precisei pedir um prato para me servir, sabia que não comeria inteiro e me arrepio só de pensar em desperdiçar. sem tocar na comida alguém poderá comer, aprendi na temporada pela Índia. peço para embalar, viro a esquina e encontro alguém com fome). A carne veio com fregola ou fregula sarda (uma variedade de massa da Sardenha preparada com sêmola de grano duro) e brunoise de legumes (o acompanhamento devorei bem rápido).

a degustação foi guiada com louvor pela simpática e competente gerente londrinense da Morandé Wine Group Keli Bergamo, que é considerada uma das “educadoras de enogastronomia mais expoentes da atualidade”. comprovei, foi noite de aprendizado. o cardápio e o serviço de vinho ficaram com Miyake e com o sommelier do DUQ José Vinicius Chupil, com direito aqueles decanters de bico longo que dão infinitas voltas, só penso na lavagem (queria saber como), definitivamente são mais do que apropriados para o serviço de alguns vinhos.

a Morandé Black Series vem de um vinhedo da região de Araucanía, entre a cordilheira dos Andes e a de Nahuelbuta, de solos vulcânicos, invernos frios e chuvosos que dão as uvas em um processo de amadurecimento lento e constante. evoco o mesmo adjetivo lá do começo (desculpe), as imagens projetadas mostram o lindíssimo e afastado Valle del Malleco. conheci a história do Pablo Morandé, considerado revolucionário e responsável por colocar o Chile como produtor de vinhos de qualidade.

a noite, que quem estava lá não queria que terminasse, foi encerrada dignamente com o vinho de colheita tardia “única”, pois produzida em pequenas quantidades de acordo com as condições climáticas. o ataque pela botrytis cinerea só ocorreu em 2000, 2007 e 2013 para originar o Golden Harvest Edición Limitada. (a botrytis resumidamente é o fungo necessário para produzir o vinho de sobremesa. o mais conhecido vem da região de Sauternes e o produtor Château d’Yquem, mas tudo começou na Hungria, da região de Tokaj) mil folhas de baunilha o acompanhou. a massa folhada é uma sobremesa clássica da casa, não deixe de pedir.

Pablo Morandé fundou a vinícola em 1966 e queria inovação e qualidade. conseguiu. foi um bravo desbravador. Ricardo Baettig é o enólogo chefe da vinícola há 12 anos e definido como “um visionário, criativo e apaixonado”, provando seus vinhos dá pra entender porquê. o jantar foi servido para poucas e privilegiadas pessoas na sala reservada do restaurante e finalizado com o melhor doce de figo da cidade e da minha vida.

lembro agora, porque acabei de ler, de falar que é temporada de trufas brancas de Alba no restaurante DUQ. Felipe Miyake preparou entradas e pratos especiais. ah, mas meus olhos estalaram (andaram fechados por mais de duas semanas por conta de uma infecção) e fiquei com água na boca, vi no Instagram um prato com cogumelos Morilles, porcini e ervilhas frescas. acho que vou me presentear.

@vinhos_morande
@kelibergamo
@gastrorose
@anawingert
@felipemiyake
@miseenplacewine

DUQ Gastronomia
Rua Alameda Dr. Carlos de Carvalho, 360
41 98854-4751
Mise en Place Vins
Rua 24 de Maio, 765
Curitiba, PR

Aatma, da chef Manu Buffara, e Surya Life Style Hotel

Agora embarco para Pinhais, no Paraná, vou falar do Aatma, restaurante da chef Manu Buffara, no Surya Life Style Hotel, apesar de também ter estado lá faz um tempinho. Dali salto para a cidade do Porto em Portugal, isso porque acabei de voltar da cidade. Devo aproveitar a memória recente. Quando o chef Vasco Coelho Santos soube que eu era do mesmo lugar da chef saiu de trás do balcão da cozinha para uma foto comigo, queria mostrar pra ela. Prepare-se para as viagens (abandonei a manutenção das minúsculas, troco por ter causado estranheza em pelo menos uma pessoa).

Fim de semana adiantado

Semana com feriado no meio deixa tudo confuso. Na quinta-feira, na hora de pensar o que fazer para o almoço eu disse: “bem, hoje é ‘segunda sem carne’*, o que faremos?”. Fui traída. Penso que é uma semana ideal, começa na segunda e no dia seguinte já termina, a terça vira sexta-feira, vem a folga da quarta feriado e daí é quinta que parece segunda e de novo já vem a sexta. Em alguns países encurtar a semana em um dia já é discutido. Por aqui, seguimos com a proposta de alterar a jornada de trabalho dos cozinheiros apresentada pela deputada Erika Hilton, a chamada 6×1. A mudança não será fácil, o caminho para aprovação é longo, mas a reflexão é mais do que necessária. De acordo com a Agência Senado, alguns países, França, Bélgica e Dinamarca, entre eles, têm bons resultados com experiências de redução e flexibilização da jornada de trabalho. Vamos acompanhar. Se já conhece a “Segunda sem carne” pule o próximo texto.

*Segunda sem carne

É um movimento que incentiva mudanças alimentares com foco na saúde e no meio ambiente. Nada melhor do que começar alguma coisa na segunda-feira? O difícil é manter. Sabemos bem. A sugestão deles é “tentar algo que trará um enorme benefício para todos”. No site oficial do movimento, que conta com o apoio do Beatle Paul McCartney, o impacto ambiental de um dia sem consumir carne é grande. Para um bife de 311 gramas de carne, são emitidos 14 kg de CO2 na atmosfera e gastos 3.400 litros de água retirados de reservatórios de água doce, equivalente a 100 km rodados num carro ou cerca de 26 banhos de 15 minutos. A campanha, que acontece em mais de 40 países, convida a pelo menos uma vez por semana substituir a proteína animal pela vegetal. Faz bem para a nossa saúde, faz bem para o meio ambiente. De acordo com os cálculos divulgados no site, “10 kg de gás carbônico deixa de ser emitido quando você fica um dia sem consumir produtos de origem animal”.

Surya Life Style e Aatma Reestaurante

Essa divagação com os feriados me levou para um final de semana em Pinhais, cidade vizinha de Curitiba, como já disse. Conto como foi a experiência Surya Life Style por duas razões: é uma obra de arte da arquitetura, projeto do arquiteto Wilson Pinto (veja fotos e detalhes no site dele wilsonpinto.com.br). A concepção do espaço incluiu viagens para buscar peças, como a passarela de vidro que veio não sei de onde. Acrofóbica discreta porque enfrento o medo – sofro com alturas -, tive coragem para atravessá-la. O outro motivo é porque Manu Buffara é a responsável pela gastronomia do Aatma. Nas voltas pelo mundo que dou por aí todos a reverenciam. Os prêmios são muitos, assim como a disposição, a paixão e a persistência em seguir seus sonhos, em trabalhar e em ajudar quem precisa.  Eleita uma das melhores chefs do mundo, ela se destaca nos eventos que participa, recebe prêmios do mesmo jeito que cozinha em lugares famosos ou participa de um programa na televisão, ou ainda prepara uma refeição com as filhas e o marido em casa, ou entrega um prato de comida para quem não tem o que comer, ou atende o pedido de um amigo. É intensa em tudo, é mesmo admirável.

A chef assina o cardápio executado e coordenado pela subchef Débora Calegari (que assinava Teixeira até pouco tempo) e acompanha Manu desde a abertura do primeiro restaurante. Dedé recentemente publicou que assumia um novo sobrenome, o da mãe e do avô. Agora é Calegari. Isso me lembrou que eu também deveria ter outro sobrenome. Por acaso tem Teixeira no meio. Não sei como tudo aconteceu. Sei que com a morte do meu avô, que era Licheski, e da avó que era da família Teixeira Coelho, meu pai acabou sendo criado por uma tia (que veio a ser minha madrinha), e não sei como mudou o registro dele deixando apenas o sobrenome da família da mãe. Ariel Teixeira Coelho. Confusão estabelecida e não esclarecida, eu seria Jussara Noêmia (nome da minha avó paterna) Cleto da Silva (o famoso professor de Paranaguá, da família da minha mãe) Teixeira Coelho Licheski. Simplificaram no registro: Jussara Noêmia da Silva Coelho, que no casamento, a pedido e com muito estranhamento da minha parte, virou Coelho Voss, e, finalmente, por influência e insistência da tia Rute, cabalista convicta, sobrou Jussara Voss (levei anos para me acostumar com a nova identidade). “Voss é um nome fortíssimo para você”, ela dizia. Aceitei pela casmurrice dela.

Voltando ao final de semana em Pinhais: comi demais. Impossível resistir ao sorriso aberto da Dedé que a todo instante sugeria: “vou trazer pra você provar”. E provei muito: no brunch, no aperitivo no bar, no jantar, no café da manhã, no brunch de novo. Tudo muito bom e caprichado e pratos morando na lembrança de querer repetir. Parece que comer demais é a minha sina.

Preciso dar detalhes e vou. Será inesquecível se ficar hospedado. O brunch é servido aos finais de semana das 11h30 às 15h.

E como foram as refeições no Aatma? Teve granola, sorbet de maracujá e iogurte grego. Teve as pastas clássicas da Manu: berinjela, homus e coalhada, com pão de folha da casa. Ah, um queijo cremoso de cabra, gorgonzola doce, com presunto Parma e figo fresco. Moulles frittes com batata frita, gosto tanto disso. Leite de castanha com infusão de capim limão, erva-príncipe, lima kefir, limão e suco de cranberry. Mais surpresas com a sopa fria de melão, ervas e queijo de cabra. Camarão no mini brioche, com purê de limão de coentro, pode ser uma combinação meio improvável que me deixa “tonta de tanto prazer”. E tinha tutano na brasa, com caviar mujol e molho vinagrete por cima de arrepiar os cabelos de tão bom. Experimentei também o copa lombo glaceado, com chapati (o pão), salada de pepino, creme azedo e cebola crocante: mais delírios possíveis. A tranquila mousseline de mandioquinha sempre bem-vinda, com peixe grelhado, ervas, limão e caviar. Mas quase desmaiei com a entrada do confit de pato e bok choy (acelga chinesa) caramelizada, com vinagrete de amendoim. Talvez tenha esquecido de alguma coisa. Não espere pela minha memória, vá logo conhecer. Busquei por novidades e não consegui, estão às voltas em receber jornalistas internacionais – outra obstinação da chef em divulgar cozinheiros locais, quem somos e o que temos por aqui. Leva o nome de Curitiba no coração para o mundo.

Entre as refeições abro a porta da varanda do quarto. Vejo a árvore grande na minha frente. O som do vento suave leva a minha atenção. As folhas do outono são secas. O vento vem e vai e faz elas dançarem de um lado para o outro. Às vezes inventam de dar piruetas mais fortes, como quando a vida diz: terá surpresas. Algumas folhas não resistem, vão sozinhas enfeitar o chão. Outras voam longe. Como nós: alguns sonham; alguns nem sonham; alguns andam; alguns ficam parados. Era a minha segunda vez no hotel, desta vez com convite para estender a estadia. Faltavam Manu e Débora para somar com a arquitetura do lugar. Não falta mais.

Aatma restaurante
Rua Jaguariaíva, 344
Alphaville Graciosa
Pinhais, Paraná
@aatmarestaurant @suryalifestylehotel @manubuffara

Em Lisboa, com José Avillez. No Porto, entregue aos cuidados do chef Vasco Coelho Santos. Portugal é irresistível.

José Avillez é um dínamo escondido em um corpo franzino. Fala mansa e gestos contidos, meio tímido até, quem sabe, certeza, é ídolo no país. “Chef trago turistas aqui, falo que é o melhor restaurante da cidade”, disse o condutor do carrinho, deixando os que carregava esperarem enquanto tirava uma foto com ele. Incansável em transformar Portugal em um destino turístico é também incansável em cozinhar e servir. E como consegue. Seu último projeto, o hotel fazenda Casa Nossa, é daqueles lugares que se pensa em voltar sempre. Não tem como não se sentir bem, não comer bem e não relaxar naquele espaço. Estando lá é muito fácil. É de perder o fôlego já quando o portão se abre. Faço propaganda. Além de vários restaurantes que já conhecia, fui até o Bairro do Avillez, mais um empreendimento de impressionar. Ah, muita coisa para contar. Volto ao assunto em breve.

Vasco Coelho Santos 

Não raro o sorriso largo apertava as pálpebras e escondia os olhos miúdos. É preciso muito papel, ou páginas em branco preenchidas para contar quem é e o que faz o chef Vasco Coelho Santos. Logo vou dizer porque estive por longe (pouco longe) e cada vez mais amo as cozinhas de Portugal e seu povo. Sabe-se dele: trouxe ares novos para o país. Ah, tem ele talentos: criar, cozinhar, receber, administrar. Só preciso refletir um pouco mais e letrinhas vão se formar, prometo.

@casanossa_joseavillez @joseavillez www.joseavillez.pt

@vascocoelhosantos