Dentro de uma doca desativada, o espaço que recebe mercadorias direto de um caminhão, oito pessoas, parte do pequeno grupo de voluntários, que ainda estava por ali, ouviram como foi articular o movimento Alimenta Curitiba que as profissionais ligadas à gastronomia, as “Mulheres do Bem”, se propuseram a fazer no começo de dezembro.

No final do segundo dia de montagem das caixas, sentadas no chão, bebiam chope enviado por uma das empresas doadoras. Uma das voluntárias escutou alguém dizendo: “tomaria um chope gelado agora”, pronto, uma ligação aos sócios do Gastrobar Choripan e a bebida estava servida. Comemorar era preciso, estavam com 18 toneladas de alimentos para distribuir.

Já passava das oito da noite e quase todos haviam chegado de manhã cedo, o cansaço era evidente, assim como a alegria de organizar uma ação que iria beneficiar muitas famílias.

Manu Buffara, a mentora da ação, e Vânia Krekniski, as duas articuladoras das doações, contava como foi difícil conseguir os alimentos e como não tinham ideia do que era alcançar a meta da iniciativa: seis mil caixas.

“Na verdade, não sabíamos que seria difícil obter as doações. Tive insônia porque o tempo ia passando e as doações não apareciam”, desabafava Manu naquela noite, já emendando que será possível fazer outras ações. “Agora temos essa experiência e estamos ainda mais motivadas porque vimos o resultado. Saber que podemos ajudar quem precisa nos impulsiona”, declara. “Saímos fortalecidas e inspiradas”, dizem em uníssono as “Mulheres do Bem”.

A intenção com a ação também é abrir caminho para que mais pessoas ou instituições se responsabilizem por outras campanhas.

Doações

O grupo conseguiu atender 600 famílias de oito comunidades. Foram três dias de muito trabalho. A ideia inicial era preparar refeições porque já estavam fazendo isso desde o começo da pandemia – estão prestes fechar a entrega de 15.000 marmitas –, mas depois de conversas com apoiadores viram que seriam inviável. Assim optaram por fornecer alimentos, que dariam para preparar bem mais do que uma refeição apenas.

A primeira boa notícia que a dupla recebeu veio do marketing dos restaurantes Madero, do empresário Júnior Durski, que além de cestas básicas, forneceu lanche para os voluntários e deixou à disposição um caminhão refrigerado, sem o qual não teria sido possível armazenar os alimentos perecíveis durante os dois dias de montagem das caixas, que antecederam a entrega.

Fundamental também foi o apoio do professor Éverton Passos, gestor do CEI – Centro de educação Infantil Maestro Bento Mossurunga, no Sítio Cercado, que atende 430 crianças em tempo integral.

Com a pandemia, Passos começou a arrecadar alimentos e entregar todos os sábados para as famílias das crianças do centro que não podiam ir para a escola e estavam passando fome. “Conheci a Manu e foi uma benção, o nosso trabalho ganhou muito mais força. Nasceu uma amizade. Ela começou a nos visitar várias vezes aqui e trouxe as outras chefs”, disse Passos, que ajudou a montar o esquema para a distribuição.

Ele contou que as chefs não trouxeram apenas alimentos, elas fizeram o projeto das hortas em sucatas ensinando as famílias a cultivar verduras e legumes. “Trouxeram terra, sementes e adubos. Foi impressionante. Levamos esperança para as famílias”, conta Passos.

“Ficou todo mundo feliz, a maioria está desempregada e passando dificuldades”, disse a líder comunitária Alessandra Cruz.

Entrega

Os carros com representantes das comunidades começaram a chegar às 10h da manhã, num ponto no bairro do Sítio Cercado. O sistema de retirada das cestas foi organizado por senhas.

As lideranças retiravam e entregavam as caixas nas comunidades, que receberam, além de produtos da cesta básica e de higiene, uma cartilha com receitas e dicas de aproveitamento, e frango, peixe, ovos e hortifrúti orgânicos.

Mas na Vila Pantanal, uma área de construção ilegal, era preciso ir até lá. Foi o momento mais difícil. Um local de extrema pobreza, resultado de uma ocupação irregular, onde seus moradores enfrentam  muitas dificuldades.

Fome

A fome aumentou no país com a pandemia e os dados são alarmantes. De acordo com a pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada em setembro do corrente ano, a fome aumentou 43,7% em cinco anos e o Brasil tem a primeira piora em segurança alimentar. “Daí veio a ideia de levar produtos orgânicos e saudáveis e evitar os processados”, salienta Vânia Krekniski, chef e proprietária do restaurante Limoeiro.

Outro estudo do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), divulgado no final de agosto, apontou que um em cada cinco adultos não teve dinheiro para comprar mais comida quando o alimento que tinham em casa acabou. O estudo mediu os impactos do covid-19 em crianças e adolescentes, 27% afirmaram ter passado por pelo menos um momento em que não tinham o que comer, e 8% deixaram de fazer alguma refeição por falta de dinheiro e também aumentou o consumo de alimentos industrializados como biscoitos e macarrão instantâneo, alimentos pobres em nutrientes.

Parceiros

Foram parceiros na ação Alimenta Curitiba: Grupo Madero Brasil; Supermercado Festval; Gastromotiva; Vapza; Gold Service; Gastrobar Choripan; Trapiche Pescados; Grupo Expoente; Trombini; NK Cosméticos; Gastromotiva; Grupo UOL; Moageira Irati; Lacto Bom; Molino Rosso

Fazem parte do Mulheres do Bem as profissionais: Manu Buffara (Manu); Gabriela Carvalho (Quintana); Cláudia Krauspenhar (K.sa); Vânia Krekniski (Limoeiro); Eva dos Santos (La Chica); Rosane Radecki (Girassol); Flávia Rogoski (Bom Vivant Queijos do Mundo); Jussara Voss.

Fotos: Nakayana Fotografia