Charcutaria artesanal: todo mundo pode fazer em casa

“Você é de virgem”, eu disse admirada com a organização do curso de charcutaria que a Ana Gonçalves, que é sommelier, e o Giordano Tarso, que é chef, apresentavam no espaço do Pão da Casa, do Renê e da Vanessa Seifert, em Witmarsun, no último fim de semana.

Não entendo quase nada de signos, mas a fama pela busca da perfeição dos virginianos todo mundo já ouviu falar um dia. Eu também. De troco, ela me disse: “você é de peixes”. Arregalei os olhos. Então, em apenas alguns poucos minutos de convivência revelei a sonhadora e avoada pisciana que tento disfarçar ser?

Enfim, mesmo não sendo virginiana, imagine se acertaria, todos os passos das receitas ensinadas estavam bem explicados na apostila, as carnes e os temperos medidos e porcionados em pacotinhos embalados à vácuo individualmente para cada participante, além de explicações detalhadas e do número de telefone com garantia de um “tira as dúvidas permanente”. Um primor. O tempo também foi cronometrado com os devidos intervalos para almoço e café. E não pense em algo engessado. Nada disso.

Depois de copa, pastrami, bressaola e linguiças frescas a noite começou a engolir a tarde e nós o bacon saído do defumador no qual passou o dia. Nem esperamos esfriar. Brilhante, com uma gordura macia diferente de tudo que tem por aí e sabor invadindo a carne é porco moura garantido. Único. No dia do curso os alunos aprenderam a curar carne, com a devida atenção aos ingredientes, tempos e processos e como defumar usando apenas equipamentos disponíveis em casa, tudo muito simples. E o mais importante sem usar nenhum aditivo químico.

Só faltava brindar. Não faltou. Entraram os espumantes da Serra Gaúcha e ainda a prova de alguns preparos que vieram na mala, como a linguiça de pato com laranja e de porco com kimchi e ameixa, acompanhado pelo brioche – aquele pão adocicado – do Renê. Esse brioche esquentado na parrilla, a grelha argentina, melhorou o que nem precisava. Se fosse só isso já teria compensado o sábado. Até esnobei uns croquetes que apareceram. Quando soube que eram de pastrami veio o arrependimento. Tarde demais.

Por isso, se existe o desejo de se aventurar pelo mundo dos embutidos e defumados, quando vir o anúncio de um curso deles corra se inscrever, não esqueça de jejuar um dia antes pelo menos, além de aprender, a comilança é garantida.

Colheita e cursos

Antes de tudo começar a Ana foi pra Espanha estudar e teve outro negócio na área. Agora ela e o Giordano, que também já teve restaurante, tocam há seis anos o Colheita, na terra dele, Pinto Bandeira, no Rio Grande do Sul e dão mais um passo bem preparados na carreira de ensinadores com cursos on-line e presenciais.

Apesar de jovem, 31 anos, Giordano conhece o assunto e ensina com fala macia, sem deslize pelas gorduras e carnes defumadas e curadas. Um deleite.

Carreira

Algumas pessoas nem pensam em: “o que eu vou ser quando crescer”. Esse é o caso dele. Criado frequentando rodeios, laçando bois e no coração dos centros de tradição gaúcha não estranhou quando aos 13 anos tirou coragem do bolso, afiou a faca e assumiu a boia da turma do acampamento na falta do cozinheiro. Virou fazedor de comida oficial de todos os amigos.

“Tudo que se cria ou vem da escassez ou da cópia”, confessou. Da curiosidade também, acrescento. “O importante é o que você faz com o que copia e como transforma o que lhe inspirou”, li em algum lugar. Aprendi.

Giordano também foi atrás de formação clássica. Entrou na primeira turma de gastronomia a convite da faculdade da cidade. Não parou, já fez até pós-graduação.

Com 15 anos de prática, no final de 2021, veio a ideia de ensinar, que tomou forma com a ajuda do amigo Renê Seifert Júnior, do Pão da Casa, craque em espalhar conhecimento.

Em dias assim o tempo é esticado e te leva longe. Em pouco tempo, os aprendedores parecem conhecidos de longa data, são profissionais ou quase, em comum querem distribuir alegria por aí em forma de comida. Trocar receitas e dicas são bônus, faz parte. Foram muitas.

Aguardem as novidades. Sigam as pistas. Alguém pensou em presunto? A turma ainda saiu com uma caixa de carnes na cura e a vontade de montar um defumador pequeno em casa. Sei disso. Aposto.